domingo, 12 de fevereiro de 2012

Merda!

Havia uma escola cujas regras disciplinares eram extremamente rígidas. Qualquer distúrbio durante a aula, os alunos eram repreendidos financeiramente, uma vez que o instituto educacional seguia a máxima de que doendo no bolso, os estudantes pensariam duas vezes antes de atrapalhar a classe.
- Atchim! – um espirro espalha-se no silêncio sepulcral da classe.
- Quem foi que espirrou?! – vociferou o professor – Hein, hein? Foi você Rodrigo? Não? Hum... então foi você, né Lucas?
- Mas, fessor... eu to gripado... – justificou-se o garoto
- Quero nem saber! 10 centavos! Agora! – bradou o professor
Lucas caminhou solenemente, cabisbaixo, com uma moedinha em uma das mãos até o cofrinho da turma. Despejou o dinheiro e voltou para o seu lugar acompanhado dos olhares de todos da sala. Natália levou as mãos à boca e logo foi repreendida:
- Acha engraçado, senhora Natália? – indagou o demoníaco professor
- Não, fessor! Tava só coçando a bochecha – respondeu em tom aflito a pequena menina
- Estava bocejando então que eu sei! 5 centavos!
A pobre levantou e fez a mesma coisa que o Lucas. Após depositar a moedinha, assentou-se.
A aula transcorreu sem interrompimentos, até o momento em que o André soltou um sonoro, claríssimo:
- MERDA!
A sala inteira se virou para o André. Ele lá, imóvel, mãos na cabeça, olhos esbugalhados, pálido. Parecia ter visto um fantasma. Mas ele esperava ver algo bem pior. Ia ver o diabo! Paralisou-se com o medo de se deparar com aquele olhar cortante, perfurador, feito ferrão de marimbondo do severo professor. Este permaneceu impávido, calmo, respiração leve e constante. O olhar não era diabólico. Era calmo, sereno, raro de ser encontrado naqueles olhos. Beirava a perplexidade.
Ficou aquele silêncio do silêncio. Aquele ensurdecedor. Talvez mais forte do que aquele barulho da falta de barulho, era a tensão, a apreensão da turma, especialmente a do André.
De repente, explodiu o sinal dando fim a aula, mas a tensão continuava. O professor ainda encarava o André de forma leve, mas não desgrudava o olho. Parecia estar em transe. Mais assustado que o garoto. Perplexo. Caiu em si, juntou seus livros e saiu da sala. Ninguém entendeu! Como assim ele não repreendeu o André? Ele gritou “merda”! Do nada...
Um grupinho de alunos, liderado pelo Lucas e pela Natália, foi reclamar (dedurar) do palavrão soltado pelo André no meio da aula na diretoria. O diretor escutou as reclamações e decidiu chamar o garoto e o professor para terem uma conversinha na sua sala a respeito. Os dois obedeceram. O manda-chuva do colégio indagou ao estudante o por que de ter berrado aquela expressão chula:
- O Corinthians perdeu um pênalti aos 45 do segundo tempo, diretor!
- PUTA MERDA! Sério? – assustou-se o diretor. O garoto e o professor assustaram-se mais
Os três se entreolharam por algum tempo. O educador quebrou o silêncio:
- Minha reação foi quase igual a sua, senhor diretor. Fiquei perplexo com isso. Como é que perde aquele pênalti? Aquele filho da puta ganha meio milhão de reais para errar a porra de penalti?! Não é possível! Ele não presta pra nada!
- É foda, viu – desabafou o diretor
E os três ficaram discutindo sobre o pênalti perdido pelo Corinthians. No dia seguinte, o Lucas estava depositando mais 10 centavos no cofrinho por ter espirrado novamente.